
Quatorze meses após despejar R$ 15 milhões e estourar o prazo de entrega da reforma de um pequeno hospital particular desapropriado no Bairro Jardim Jalisco para servir de sede de um hospital oncológico, a prefeitura de Resende anunciou outro processo licitatório para conclusão da obra. Para isso, a prefeitura quer desembolsar outros R$ 14 milhões do erário. O que está causando revolta na população.

Para conferir o edital na íntegra, clique aqui.
Caso esse preço seja alcançado no dia 30 de julho, quando está prevista a concorrência eletrônica (CE) 17/2025, os gastos totais envolvendo o Hospital do Câncer podem beirar R$ 55 milhões, se somados os cerca de R$ 40 milhões já anunciados com a unidade de saúde, sem a entrega da unidade de saúde à sociedade. O que é objeto de diversas denúncias aos Ministérios Públicos (Federal e Estadual), entre outros órgãos de fiscalização e de combate à corrupção.
“Estão se aproveitando do câncer para saquear a população!”, desabafou uma moradora do Bairro Paraíso.
“O dinheiro do povo sumiu, não sei o que eles fizeram e agora querem gastar mais? Os fins não justificam os meios, falaram que a obra é complexa, querem enganar quem?”, desabafou a dona de casa que presta apoio a uma prima paciente de câncer que se desloca semanalmente para o Oncobarra, em Barra Mansa, Unidade de Referência do Médio Paraíba.
Dona Sebastiana abordou os principais questionamentos que envolvem o hospital do câncer. Isso porque Diogo e Tande até hoje não explicaram quem fará o custeio da unidade oncológica, já que a verba do SUS é direcionada para o Oncobarra. Em discurso durante a inauguração da produção do Novo Nissan Kicks no Brasil, da empresa automotiva japonesa Nissan, em abril, Tande Vieira admitiu que o hospital do câncer de Resende não conta com verba do SUS para funcionar.
“Queria fazer dois pedidos… um ao ministro Padilha, grande ministro, que faça revisão da nossa política nacional de prevenção e controle do câncer… Resende está construindo um hospital do câncer, mas o modelo atual não permite que a gente tenha acesso ao financiamento federal”, declarou o prefeito diante do presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckimn e o ministro da Saúde Alexandre Padilha, entre outras autoridades.
Assista ao video.👈 ((((( vídeo da matéria da Corneta de de abril)))
Os gastos com o hospital do câncer envolvem um contrato (97/2023) de R$ 15.811.940,66 para reforma do antigo hospital Policlínica no Bairro Jardim Jalisco, com a terceirizada Fire Works. Essa construtora ficou a cargo do outro contrato (257/2022), de R$ 7.092.616,91 para a construção de um centro cirúrgico no hospital de emergência – ambas inacabadas, além de diversas outras envolvendo contratos milionários.
Empreiteiro confirma fraude

Recentemente, os Os Ministérios Públicos (federal e estadual), suas respectivas corregedorias, Ouvidoria do SUS, Polícia Federal, Controladoria Geral da União (CGU), e outros órgãos de combate à corrupção, receberam novos documentos que apontam para um esquema de fraude em licitações na prefeitura de Resende.
No pacote desses documentos estão dois prints de um diálogo atribuído a Marlucio Araújo e Marco Antônio Oliveira, que são representantes da empresa Fire Works, contratada em 2023 pelo governo do ex-prefeito de Resende Diogo Balieiro por mais de R$ 15 milhões para reformar um antigo hospital do Bairro Jardim Jalisco com a promessa de transformar o local em um hospital do câncer, o que não se concretizou.
Na conversa transcrita, Marlucio cobra uma dívida de R$ 10 mil do dono da Fire Works, Ricardo Araújo, diz que possui um dossiê incluindo também a participação de Vanessa da Paz, outra representante da empresa, no esquema.
Marlucio: “Marco, ontem saí do escritório do advogado às 19 horas preparando todos os documentos falsos de todas as licitações de Resende. Se o ricardo não resolver minha situação, vou explodir… acervos técnicos falsos. Ponto. Você [Marco] e a Vanessa já estão nos dossiês e você sabe [os documentos usados nas licitações] são todos falsos”.
Marco: “Não sei de nada, você é que tá falando”.
Marlucio: “Você não me conhece, [não sabe] do que eu sou capaz se alguém me sacanear. Você [Marco] sabe muito [muita coisa]”.
Marco: “Sei nada”.
Marlucio: “Sabe sim”.
Marco: “Mas, se você está afirmando”.
Marlucio: “Beleza”.

Outras denúncias apontaram que entre os documentos falsificados pela Fire Works estão certidões federais como do INSS e da Receita Federal, com objetivo de encobrir as irregularidades da empresa e fraudar a vitória da Fire Works em diversos contratos milionários da empresa durante a gestão de Balieiro. A falsificação de documentos está tipificada nos artigos 297 e 298 do Código Penal e prevê pena de até seis anos de reclusão e multa.

Tande suspende licitação de R$ 8 milhões
Esse mês, Tande suspendeu por prazo indeterminado o pregão eletrônico 137/2025, que estava marcado para o dia 10 de junho para aquisição de até R$ 8 milhões em equipamentos para o hospital do câncer.

O alcaide não explicou por que suspendeu o pregão 137/2025. Mas a interrupção do certame aconteceu pouco depois de uma impugnação apresentada pela empresa IMX Medical, de São José dos Campos. Segundo a empresa, o edital excesso de cláusulas restritivas que violam a competitividade e podem direcionar a licitação, embora a IMX não tenha feito tal afirmação.
A empresa apresentou diversas dessas restrições no edital do certame. Por exemplo, no equipamento “Arco cirúrgico móvel, bomba injetora de contraste e equipamentos de raios-X móvel”, a prefeitura exige “inclinação para baixo de 10° e para cima de 30°, rotação lateral de 270°, ângulo de visão horizontal e vertical de 160°”. Segundo a IMX, tal exigência só serve para restringir a concorrência:
“A exclusão desta exigência facilita a aprovação e admissão de equipamentos, pois nenhum fabricante detalha estes movimentos em seus manuais, por serem irrelevantes, dificultando a comprovação posterior e facilitando o fracasso do processo”, alegou a IMX.

Quatro anos de conversa e R$ 40 milhões

Em 2021, o ex-prefeito e o então secretário de Saúde Tande Vieira anunciaram a desapropriação de um hospital particular no Bairro Jardim Jalisco por cerca de R$ 5 milhões, a fim de que o local fosse reformado para construção de um posto oncológico ligado ao Serviço de Oncologia (ONCOBARRA), sediado em Barra Mansa, que é a unidade de referência do SUS para tratamento de câncer no sul fluminense. A informação não foi confirmada pelo ONCOBARRA e a prefeitura de Resende até hoje não esclareceu como irá manter um Hospital do Câncer sem verba do SUS.
Em abril de 2023, Diogo e Tande, então deputado estadual, receberam o então secretário de saúde Dr. Luizinho e um cheque simbólico de mais de R$ 27 milhões para o Hospital do Câncer, entre outros. Naquela ocasião, a prefeitura de Resende já havia anunciado a construção de um centro cirúrgico de cinco salas no Hospital Municipal Henrique Sérgio Gregori ao preço de R$ 7 milhões. A obra, também a cargo da Fire Work, permanece inacabada após umas de um ano do prazo contatual.
As obras do Diogo e Tande podem ter drenado milhões de dinheiro público, segundo a denúncia. A se comparar os preços dos contratos da prefeitura de Resende com obras de maior porte, essa possibilidade ganha força. Para se ter uma ideia dessas distorções, o contrato 97/2023 previa R$ 15.811.940,66 para reforma do antigo hospital Policlínica no Bairro Jardim Jalisco, um prédio de três andares. Esse montante é 70% dos R$ 23 milhões que a prefeitura de Novo Hamburgo (RS) anunciou para a construção do Anexo II do Hospital Municipal da cidade gaúcha.
O outro contrato (257/2022), de R$ 7.092.616,91 para a construção de um centro cirúrgico com cinco salas, é 140% superior ao R$ 3 milhões investidos pela prefeitura de Contagem (MG) para construção do Centro de Cirurgia e Traumatologia do Complexo Hospitalar da cidade mineira.